Eu estava deitado na minha cama assistindo televisão, quando minha mãe entrou no quarto pedindo para eu descer e comprar pão. Não reclamei, por que afinal, não estava fazendo nada de melhor no meu quarto. Vesti a primeira camisa que vi, sem me preocupar se estava amassado o suficiente para minha mãe fazer-me voltar e trocá-la por uma menos vergonhosa.
Desci as escadas e peguei o dinheiro que estava em cima da mesa de jantar. Ouvi meu pai gritando algo como “Traga pão novo” de dentro da cozinha. Não respondi. Apenas abri a porta e joguei-me para fora sem nenhum tipo de pressa. O céu estava nublado com suspeita de chuva, mas daquelas
fraquinhas que dão vontade de dormir.
Chequei as horas no meu relógio e não me surpreendi ao ver que já era perto das quatro da tarde. Algumas senhoras faziam caminhada pela calçada paralela a que eu estava e lembrei-me de relance que era pra lá que eu deveria ir, pois o caminho da padaria seguia por aquela calçada.
Entrei na padaria pequena e quente, onde se percebia muito a diferença do clima. Comprei um saco do “tipo” de pão que meu pai estava falando, paguei pelo saco e o enrolei na
mão esquerda.
No caminho de volta para casa, pensei por um minuto, e decidi mudar de rumo. Eu demoraria provavelmente uns cinco minutos a mais até chegar em casa, mas como era uma tarde fria de sábado, nem me preocupei com o tempo.
Vi umas crianças correndo em
direção a um campo, e só depois de um instante consegui me lembrar que havia um pequeno parque ali. Não era bem um parque, era mais uma praça. Mas como tinha brinquedos pra crianças, como balanços e
escorregadores, nós chamamos de parque mesmo.
Passei os olhos pelo parque e sorri ao ver a alegria das crianças correndo de um lado para o outro, sem se preocupar com
utamente nada, só na diversão. O parque estava quase saindo do meu campo de vista quando vi uma coisa que limpou minha vida nublada.
Ela estava de costas, e parecia ter algo em suas mãos. Os fios finos de seu cabelo escuro e longo corriam soltos com o vento frio e calmamente fraco que passava entre nós.
Curvei meus passos a frente do parque, onde poderia vê-la melhor.
Ventou mais um pouco e as nuvens deram espaço para que um fraco raio de sol cintilasse sobre sua pele clara e delicada.
Ela olhou para o céu e deu um sorriso em aprovação a aparição do sol. Seus dentes claros formavam um conjunto lindo que emoldurava um sorriso esplêndido. Fez-me querer sorrir também.
Aproximei-me mais um pouco e percebi que havia um livro em sua
mão. Voltei meus olhos para seu rosto e me deslumbrei com as feições dela. Tinha olhos claros, não consegui identificar a cor, por causa dos fracos raios de sol. Ela tinha poucas sardas pela maça do rosto e uma expressão apaixonante. Não pude deixar de notar novamente os fios soltos de seu cabelo, voando com o vento, caindo de leve em seu rosto,
obrigando-a a soltar a
mão do livro para poder se livrar dos fios por um minuto.Por um minuto senti uma vontade absurda de ir lá e perguntar sobre o livro, só para poder ouvir sua voz. Mas algo não me deixava. Era estranho, mas ela me parecia familiar, e foi essa sensação que não me deixou ir lá conversar com ela. Senti como se já a conhecesse, mas sem antes notar seus fios escuros batendo em sua pele clara, ou seus olhos claros, absurdamente sinceros. Eu a conhecia, eu sentia isso.
Olhei para o relógio e ele marcava Cinco e cinco da tarde. Lembrei-me do pão e de que a alguns minutos, o sol iria embora e a noite tomaria o céu. Pensei que ela também perceberia isso logo. E eu não queria estar lá quando ela percebesse. Não seria agradável ela ver um garoto estranho a olhando fixamente de longe. Então, resolvi dar meio passo para trás e seguir meu caminho de volta. Se o que eu haveria sentido fosse real, eu com certeza a veria novamente. E eu mal esperava para que esse dia chegasse logo.